20/07/2010

A Deusa Desfalecida




Todas as inglórias esquecidas de repente formaram um tumulto de mulher depressiva.
Ninguém ousava compreender que a Grande Deusa estava esgotada, que não era a ira a causadora dos infortúnios, mas sua impaciência, sua dor de mulher estéril, a infertilidade de suas rosas petrificadas num vaso de vidro azul.
Estávamos nós, os anjos, presentes. Era nossa triste hora porque não poderíamos mais estender os braços em auxílio à Grande Dama.

Estávamos prontos para o exílio. Os anjos estavam a caminho do extermínio.
Pobres de nós. Triste Grande Deusa, que não se abastecia mais do calor da fala e da sabedoria.
Era uma horrível tristeza porque ela morreria. Antes mesmo, as fadas talvez tivessem que deixar os seus jardins, teriam que abandonar os seus serviços para com a Deusa por causa de sua moléstia inexpressiva.
Era uma tremenda dor. Não saberíamos nunca se alguém poderia vir para o resgate. Os mestres sagrados estavam também proibidos de descer. Realmente uma grande desgraça.

Tarde na doença da Deusa, um exército veio do céu, veio carregado de seres coloridos que voavam num alarde terrível.
Eram médicos de todos os cantos do universo. Homens e deuses estelares, numa conspiração em cadeia. Estavam todos enlaçados, a fim de usar a cura em rede na Grande Deusa desfalecida.
Eles carregavam luvas de ouro e dotes de medicina, mas quem saberia se a Deusa aceitaria. A cura dependia de seu coração, infelizmente, e não das mãos de seus amigos.
Eles trouxeram uma criança como presente à grande Deusa.

A criança ajoelhou-se frente ao seu leito e lhe disse com a voz mais terna que poderia vir de um ser encantado:
“Mãe, estou aqui para lhe servir e lhe amar. Sou um presente por sua bondade e poder. Ficai comigo, mamãe. Eu sou aquele que você quis com tanto ardor. Não venho de seu ventre, mas garanto que lhe oferecerei o maior amor. Aceite em nome do teu reino, posso ser de grande valor. Aqui estou, senhora, esperando por teu consentimento. Já fui educado em outro planeta, mas dedico minha alma pela cura da rainha.”

A Grande Deusa levantou-se da cama. Agora, com enorme ira. Os seres sagrados que lá estavam temeram por algo maléfico. Aconteceu que a Deusa engasgou e não conseguiu proferir nenhuma das palavras de ira que iria.
Um homenzinho verde estava ali presente e tossiu muito até engasgar também. Ficaram os dois engasgados e logo todos os médicos e amigos presentes no quarto também engasgaram.
Foi uma cena horrível de se ver. Nós, anjos, já estávamos exilados, mas podíamos com a mente ver o que se passava no quarto da Grande Mãe.

A tosse durou tanto tempo que ao acabar a epidemia, todos dormiam.
O grande Rei foi convocado em segredo e no exato momento daquela crise de tosse, ele apareceu. Furioso, começou a pronunciar:

“Esposa querida, que ridícula cena é esta que presencio? Vejo que ganhamos uma bela criança e aqui estão todos os nossos amigos. Esses queridos médicos vieram de estrelas distantes com a finalidade da tua cura, e veja o que fazes! Quase os mata de tosse! Que coisa terrível, Grande Mãe! Erga-se! Seja mulher, minha querida. Estás doente de tristeza, já sabe do seu estado. Tens de conseguir guiar a vida.”

“Não consigo, amado esposo. Estou ferida em demasia. Meu coração dói, não sinto mais desejo de reinar. Enviei meus anjos amados ao exílio hoje cedo. Estou lastimável, meu amado. Preciso de salvamento.”
“Pois deixe ser ajudada pelos médicos!”

A Deusa, imóvel, tocou as mãos na corrente de cura que os amigos estelares faziam e assentiu na operação.
Um círculo formou-se em volta da enferma e raios de fogo violeta foram emitidos incessantemente enquanto as luvas de ouro trabalhavam.
Os anjos foram trazidos imediatamente e, cada um em sua posição, oraram pelo bem estar daquela que antes desejara a morte de seu reino.
Imagens de belas feições foram enviadas a ela por telepatia e raios cada vez mais coloridos eram introduzidos no cérebro da Rainha.
A corrente medicinal trabalhava com o coração.

Uma das luvas de ouro foi obrigada a rasgar a Rainha de ponta a ponta e misturá-la numa panela encantada de luz com elementos de diversos planetas e estrelas.
Fez-se da Deusa um grande leite amarelo e depois, com este, esculpiu-se uma grande estátua de alegria e louvor.
Pó cor-de-rosa foi peneirado em cima e com palavras ternas ela foi restituída ao seu leito. Agora, nova, feliz e curada.
A paciente dormiu por quatro luas e quando acordou, viu o berço em que dormia seu filho. Levantou-se e percebeu sua boa disposição.

Tomou seu filho nos braços e pediu a ele que viajasse as galáxias a fim de agradecer os amigos estelares pela salvação que obtivera. Seu filho concordou imediatamente e partiu.
O rei foi ao quarto, que agora estava iluminado, e tomou sua esposa nos braços. Amaram-se, gerando em pouco tempo uma filha, a pequena deusa permitida pelos quatro ventos de Deus.
O reino da Deusa foi reconstruído pelos anjos e pelas fadas.
Fora a malvada morte que tendera a entrar.

19/07/2010

O menino que tinha uma bala


Era uma vez um menino bondoso que vivia sozinho, brincava sozinho, lia em voz alta para si mesmo, sentava embaixo da árvore, comia sozinho, até falava sozinho.
Num certo dia ele pensou que queria um amigo e olhou para o céu estrelado da noite e pediu: “eu quero um amigo”, e quando andava sozinho no caminho de terra, entre a sua escola e a sua casa, pensou de novo, olhando fixamente para uma árvore: “eu quero um amigo” e na hora do jantar disse pra si mesmo: “quero ter amigos”.
Na hora de dormir, percebeu que havia uma bala no bolso da sua calça, então pensou: “quando eu tiver um amigo, darei-lhe esta bala”.
No dia seguinte, ao sair de casa, um passarinho passou e pareceu olhar para o menino bondoso nos olhos. Ele estranhou: “será esse passarinho um amigo?” Mas não era.
O que aconteceu foi que, na escola, chegaram dois meninos estrangeiros que foram conversar com o menino bondoso e ficaram amigos dele. O menino se lembrou da bala e ficou aflito: “e agora? Só tenho uma bala!”
Nesse momento, colocou a mão no bolso e percebeu que havia duas balas! Deu uma para cada amigo e foi dormir muito feliz, pensando nos amigos e como aquela segunda bala tinha aparecido. Aí viu o passarinho na sua janela, que piscou para ele.
Na hora de dormir, refletiu sobre o caso e entendeu que por ser a sua intenção doar e dividir, a vida deu-lhe a sua propriedade em dobro.