28/09/2010

... E às vezes, a vida lampeja. (eu adoro lampejo)
e falar parece mais saudável do que aguardar elogios.

arguto vaga-lume

Era uma vez um vaga-lume que decidiu fazer alguma coisa da vida. Se matriculou na escola e lá, o professor estava ensinando os seus pupilos a fazerem flores, com pétalas, cores e odores. Todos estavam muito apreensivos, afinal de contas, iriam fazer as flores para o mundo e para as pessoas. O vaga-lume tinha que se concentrar, visualizar a flor que queria, saber exatamente seu tamanho, quantas pétalas e qual o seu perfume. Depois, esforçar-se para que ela se materializasse e ainda ter perseverança para que ela sobrevivesse. Decidiu que faria uma flor pequenina, de quatro pétalas, amarela com o perfume do mar. E fez. Enquanto todos os alunos já estavam fazendo arbustos e árvores enormes, o vaga-lume estava ainda na sua flor amarela, fazendo-a infinitas vezes, e o professor não o permitia tentar nada de novo. Ficou emburradíssimo, fazia as flores agora por pura obediência. E não se conformava em ser o pior aluno da classe e não ter emoção alguma no seu trabaho de repetição. Ele era muito distraído, não havíamos comentado isso, mas sempre que podia, saía para tomar ar. Dada a sua lastimosa situação, resolveu então que de agora em diante, sentaria no fundo da classe (para não ser notado), e não arredaria os pés dali, faria mais mil flores amarelas, com toda satisfação, mesmo que esse trabalho durasse a eternidade, até que seu professor lhe desse uma nova tarefa. Acostumou-se a ser aquele que faz flores amarelas pequeninas, com quatro pétalas e cheiro de mar, pois fazia-as como ninguém. Foi com essa atitude que o professor o convidou a substitui-lo, pois era o aluno mais persistente que já tivera.

comicidade feminina

Às vezes, a vida se constrói em semanas de idas ao cabelereiro.

25/09/2010

O casamento de Diana

Era uma vez, num reino distante, uma princesa chamada Diana. Ela era negra, linda e o seu corpo era todo enfeitado com flores que ela própria desenhava.

Diana era a única filha de seus pais e foi prometida para o príncipe Inácio, também único filho do rei e da rainha de um principado vizinho dali.

Diana e Inácio se conheciam desde bebês e brincavam juntos, quando os seus pais se visitavam. Sempre havia festa em um ou noutro reino e eles gostavam de conversar, correr e namorar.

Quando Diana completou dezesseis anos, Inácio completou vinte e três e foi a hora deles se casarem. As duas famílias prepararam um casamento no jardim de Diana e lá eles prometeram amor eterno e cuidado um para o outro.

Uma estrela cadente caiu na hora deles se beijarem, fez barulho de foguete e todos aplaudiram, todos os convidados se comoveram.

Inácio acendeu um cachimbo de fumaça colorida e o entregou aos seus amigos, para que todos participassem do mesmo amor.

Diana estava muito bela, ela tinha uma serpente de estimação que estava enrolada no pescoço, servindo de colar para a noiva.

Inácio estava vestido com roupa de caça. Levou consigo o seu arco e suas flechas e demonstrou coragem e proteção para Diana.

Na manhã seguinte ao casamento, algo muito triste aconteceu. Inácio morreu sem motivo aparente. Diana chorou e enterrou o corpo dele na casa nova.

Inácio passou a aparecer para Diana todas as noites para conversarem e dormirem juntos. Eles passaram a vida assim, Diana-viva, Inácio-fantasma, amando-se tragicamente.


21/09/2010

namasté

agradeço tudo.

16/09/2010

águas

É difícil descrever as marés, as fontes, as águas da vida. Mesmo o sangue, o vinho, a baba, o gozo, o choro. Tudo o que é líquido toma forma sensual. E evapora com o tempo se não tiver corredeira.
As vezes me penso afogada em minha própria testa - emaranhada na minha cabeça, nos líquidos de minha alma, no fazer sem relógio, no meio - que existe sem propósito.

O único amigo

Era uma vez uma menina que tinha um amigo. Ela era tão feliz com esse amigo, que não queria mais nenhum outro amigo e também não queria que seu amigo tivesse nenhuma outra amiga.


Um dia ela foi ao parque colher flores, cantar e dançar. Ela estava com o seu único amigo, mas ele estava longe, também a colher flores, dançar e cantar.


De repente, apareceu um garoto muito bonito, alto, de olhos azuis brilhantes, cabelos loiros cacheados, que trouxe para a menina seis flores exóticas, de espécies que não havia ali no parque.


O garoto disse a ela que aquelas flores foram colhidas nas terras dele e, porque ele tinha gostado muito dela, quis presenteá-la. Ela agradeceu as flores e saiu correndo, porque pensou no seu único amigo e pensou que talvez ele não fosse ficar feliz por ela fazer um novo amigo. Ela escondeu as seis flores no bolso do seu vestido e não conseguiu mais cantar, nem dançar, nem colher novas flores, tamanha a sua preocupação.


Antes mesmo de encontrar o seu único amigo, pegou de novo as flores que tinha ganho, cheirou-as, apreciou-as e as jogou fora.


Quando o seu único amigo se aproximou, ela estava chorando e contou a história do presente para ele. Ele disse que ela não precisava ter um único amigo, e que nem ele precisava ter só ela como amiga, que eles podiam ter outros amigos, e que talvez aquele garoto de cabelos loiros pudesse ser amigo dos dois.


Já era tarde demais, porém. O garoto havia desaparecido. A menina continuava chorando, foi procurar as flores no jardim do parque, mas não as encontrou.


Algum tempo mais tarde, o seu único amigo precisou viajar com a família e nunca mais regressou.


10/09/2010

a ti

O estímulo foi imenso, nós acabamos o livro, eu agora não durmo, só me vem à cabeça Dioniso. E aquela estrela vermelha, pregada em minha testa e na dele. E o grifo, a noite escura. E ela, arrasada nos pés do labirinto, labrys. Tudo afoito, nossas vidas se confundindo. Dioniso, o verde da mata, seu cajado, o leopardo. Tudo em cima da minha cabeça, de bandeja, de uma só vez, nós terminamos todas as páginas. E a estrela ficou acesa em minha testa, então eu não durmo. Está na hora de acordar em Naxos. Está na hora de levantar do desmaio. Existe uma narrativa que não entendo, um fio invisível aos olhos: o destino. O mel daquelas abelhas misturou-se na nossa boca.

03/09/2010

E nado, e navego, e fico aqui tolhida num mundo tão meu. Tão métrico e regular. Quero dançar na roda de fogo, quero participar de um mundo coletivo. Preciso de mãos, à direita e à esquerda. Quero participar de algo maior do que eu.
E agora, de cabeça pra baixo vejo o mundo se comover. Quanta espera! Ai, quanta espera! Não consigo mais ver nada daqui, estou no alto, e cadê o temporal? Cadê as estrelas, para explodirem como bombas, e os meus olhos a vê-las... Cadê o transbordamento da minha boca, minha saliva na língua, cadê o temporal? Onde me encontro é só, é centelha. Percebo que as oportunidades voltam, minhas unhas de absinto. Abro e sinto... Quero de novo, venham a mim as oportunidades... Eu abraço agora de uma nova maneira, eu juro. Eu prometo assistir ao temporal por inteiro. Eu inteira. Adentro e agarro. Eu levo a sério. Me dê. Dê. Vem. Eu preciso entrar nesse círculo, eu quero estar no centro. Concêntrica. Eu preciso de um beijo. Mais um. Vem.

01/09/2010

O Pequeno Mago


Já perdido na terra dos orientais, o pequeno príncipe se cansou de talhar sua malha de angústia com linhas de lã.


Ele queria um prazer ainda mais intenso do que o vento que subjuga as montanhas geladas daquele pólo em que estava morando desde o ano passado.


O pequenino ansiava por passar a vista na visita do seu coração. As veias de seu peito estavam doces e sem coloração.


Na realidade ele estava triste, sozinho e uma leve inquietação abalava o seu peito na tempestade. Sua família há muito não via e a saudade aumentava conforme a neve caía.


O pequeno príncipe principiava seu estudo de mago. Ele estava sem um mestre e isso dificultava, mas havia em sua mochila uma apostila de magia branca e com esta ele estudava.


Carregava uma lanterna cor-de-rosa e na caverna em que morava, protegido do frio, estudava. Começara já a praticar alguns ensinamentos.


O primeiro havia sido a capacidade de mudar objetos de lugar. Podia trazer lenha da floresta para se esquentar, podia trazer uma flor congelada, ou puxar seu cobertor. Tudo com o pensamento.


A segunda lição havia sido a capacidade de transformar uma coisa em outra coisa. Por exemplo, sua apostila em um cãozinho, sua caneta em varinha mágica, sua roupa velha em roupa nova.


A terceira lição, estava aprendendo. Era a capacidade de voar para onde quisesse em poucos segundos.


Para realizar a quarta capacidade, o pequeno príncipe teria de encontrar um mestre. Era esse o desafio.


O pequeno passou dois meses com o treinamento do vôo. Todos os dias, às cinco horas da tarde, quando já era noite por causa do inverno, ele fechava os olhos, imaginava o lugar para onde desejava ir e se soltava.


Sentia os pés se desprenderem do chão, suas mãos formigavam, sua barriga ficava fria e ele subia. A primeira vez que tentou a tarefa, caiu do teto da caverna, era falta de fé. Precisava acreditar no resultado e não temer.


Sua primeira viagem completa foi para o Brasil. O pequenino conseguiu descer numa praia paradisíaca e meditar por ali. Conseguiu lá mesmo, até realizar as outras capacidades que já havia adquirido, como trazer objetos distantes e transformar o que quisesse.


O principezinho voltou para a caverna satisfeito e percebeu que dentro de si as coisas estavam mudando. Era um tipo de crescimento amadurecido. Sentia-se fortalecido, pleno de luz branca.


Cozinhou o seu jantar, comeu e adormeceu. Sem explicação alguma, o pequeno acordou em Bagdá. Ouviu o som de flautas e clarinetes, sanfonas e viola.


Ficou encantado, mas percebeu o seu estado de mendicância. Fechou os olhos em meditação para tentar compreender como havia chegado até ali. Sentia fome, como iria falar aquela língua?


Viu uma mocinha passar e fazendo gestos com as mãos, explicou a ela que sentia fome e queria ser seu amigo.


A menina sentou-se ao seu lado, retirou de sua bolsa algumas frutas e deu a ele de comer.


Ele percebeu que ela era muda e ficou feliz por tal amizade. Ela o levou pelas mãos até sua casa, um abrigo humilde, infinitamente belo por suas flores.


Havia flores por toda a entrada da casa e dentro do jardim havia um pavão belíssimo. O príncipe ficou lisonjeado.


Não parecia haver ninguém na casa senão essa amiga. Eles entraram.


Ao chegarem ao quarto da mocinha, para o espanto do principezinho, ela retirou seus cabelos, que eram de mentira, e se transformou numa mulher de 40 anos, careca, muito, mas muito mais bonita do que a menina que ele havia conhecido.


O príncipe fez cara de quem não entendeu a situação e ela, não parecendo nada muda, começou a falar.


Explicou-lhe que havia chegado a grande hora do principezinho, que ela era a mestra que ele procurava. Ela o elogiou, o parabenizou e ele contou-lhe a sua história.


Contou da apostila, da saudade que sentia de sua família e do que já sabia fazer em mágica.


A mestra lhe disse que se chamava princesa Filomena e se ofereceu para voarem juntos até a caverna onde o príncipe morava. Eles então foram para lá.


Enfim, a quarta capacidade estava agora realizada. O pequeno príncipe encontrara o seu mestre, ou melhor, sua mestra.


Princesa Filomena adorou a casa do pequeno príncipe e cozinhou naquela noite o jantar para os dois. Fez filhotes de gansos na chapa. Estava delicioso e eles foram se aquecer na lareira.


Principezinho disse à Filomena que a saudade que tinha de sua terra natal e de sua família não era pequena, e contou a ela como sofria. Ele tinha apenas nove anos de idade e não queria para sempre viver sozinho.


A mestra, muito compreensiva, ouviu toda a dor do príncipe e disse que no dia seguinte eles poderiam visitar sua família.


Pequeno príncipe mal dormiu tamanha sua ansiedade. Arrumou suas coisas, quis dormir de janela aberta e agradeceu às estrelas.

“Obrigado, amigas estrelas, nem acredito em minha recompensa, obrigado, Grande Mago. Sou um menino feliz e abençoado!”


A manhã do dia tão esperado estava linda, limpa e o ar estava fresco. Filomena chamou o principezinho e disse-lhe que fariam a viagem num carro mágico.


O carro, acreditem se quiser, era feito de nove gansos crescidos e saudáveis, brancos e lindos, exatamente aqueles que na noite passada haviam jantado na chapa. Mais uma mágica de uma maga.


Foram voando no céu até atingirem o ponto exato da Índia em que a família do príncipe morava. Desceram.


Filomena disse ao pequeno que ali era o lugar onde ele deveria agora morar. Disse que ela estaria disponível sempre que ele precisasse e desejou que sua vida fosse a de um mago de sorte.


O pequeno a viu voar no céu com os gansos e deixou cair uma lágrima. Esta se transformou num colar sagrado de penas.


Ele entrou em sua casa e sua família o recebeu de muito bom grado. Foi ele um príncipe-mago felizardo.